O Senhor da tempestade

-

35 Tarde naquele dia, Jesus lhes disse: Passemos para o outro lado. 36 E, deixando a multidão, eles o levaram consigo no barco, assim como estava. Outros barcos o seguiam. 37 Levantou-se então um grande vendaval, e as ondas arremessavam-se contra o barco, de modo que ele já estava inundando. 38 Jesus, porém, estava na popa, dormindo sobre uma almofada. Os discípulos o despertaram e lhe perguntaram: Mestre, não te importas que pereçamos? 39 E, levantando-se, ele repreendeu o vento e disse ao mar: Cala-te! Aquieta-te! E o vento cessou, e fez-se grande calmaria. 40Então lhes perguntou: Por que estais tão amedrontados? Ainda não tendes fé? 41 Eles ficaram apavorados e diziam uns aos outros: Quem é este, que até o vento e o mar lhe obedecem? (Mc 4.35-41- AS21)


Jesus está na região de Decápolis, e logo depois de proferir as parábolas sobre o Reino de Deus e diz aos seus discípulos para que atravessassem o mar da Galiléia. No meio da travessia, o barco é acometido por uma terrível tempestade (v.37). 

O mar da Galiléia fica 213m abaixo do nível do mar e cerca de 48 Km ao norte está o monte Hermom com 2800m de altura. O leito do lago é raso. Assim, o ar frio que vem das montanhas se choca com o ar quente que sobe do mar causando tempestades com certa frequência.


Os discípulos, inclusive por vários serem pescadores, estavam acostumados com essas condições climáticas, mas a narrativa bíblica nos mostra que eles ficaram amedrontados. A tempestade estava realmente terrível, de modo que o barco já estava inundando.


Enquanto tudo isso acontecia, Jesus estava na popa do barco dormindo. E aqui vale ressaltar a questão do “detalhe irrelevante”, que autentica a veracidade da narrativa ao nos contar que Jesus dormia sobre uma almofada.


Os discípulos então o acordam dizendo: "Mestre, não te importas que pereçamos?”.


Então Jesus levanta-se, e age de forma muito simples. Ele apenas diz: “Cala-te! Aquieta-te!”, e então o texto nos diz que o vento cessou e fez-se grande calmaria, ou seja, as águas que estavam agitadas agora estavam paradas. Isso é totalmente fora do comum. Se a tempestade simplesmente parasse, as águas ainda continuariam agitadas por um certo período de tempo, mas quando Jesus diz “aquieta-te”, as águas se aquietaram completamente.


Nas culturas da antiguidade, o mar era considerado uma força incontrolável por qualquer poder que fosse, exceto por Deus. Jesus ao ordenar ao mar que se aquieta-se, estava autenticando sua divindade e o seu poder. Ele não usou magia e nem invocou alguma divindade superior, ele simplesmente falou simples palavras como se fala a uma criança. 


Num texto anterior, Marcos nos mostra que Jesus afirmou ser o Senhor do sábado numa discussão com os fariseus, agora, agindo dessa maneira, ele está afirmando ser o Senhor da tempestade. Ele é o Deus todo-poderoso. Ele é o mesmo por intermédio de quem todo o universo fora criado. O Verbo vivo.


Aqui cabe ressaltar algumas implicações com relação ao fato de Jesus ter parado a tempestade. Para o pensamento materialista/naturalista, este mundo é um simples resultado de uma “tempestade” monumental, poeira cósmica, obra do acaso, algo sem governo. Por outro lado, se Jesus é o Senhor da tempestade, então não importa em que estado o mundo ou a nossa vida se encontre - Jesus fornece todo o descanso e todo o poder que necessitamos, pois Ele é Senhor todo-poderoso.


Depois dessa demonstração de poder nosso Senhor olha para os seus discípulos e os questiona: “Por que estais tão amedrontados? Ainda não tendes fé?”. O texto sagrado que até então estava tratando da questão da divindade de Jesus e de seu poder agora, com essas palavras de Jesus toma um outro rumo. Jesus indaga-lhes sobre a fé. Por que o medo? Ainda não tem tendes fé?


Eles estavam ali com Jesus. Eles estavam vivendo dias magníficos ao lado dele. Eles viam os milagres, viam as curas, viam os demônios sendo expulsos, e mesmo assim, não confiavam em Jesus como aquele que os poderia salvar.


A conversa que eles tem ao fim da narrativa deixa bem claro isso, pois depois de tudo, depois de a tempestade ter cessado, depois de as águas estarem como que um espelho, Marcos nos diz que os discípulos ficaram apavorados e diziam: "Quem é este, que até o vento e o mar lhe obedecem?”.


Jesus vinha demonstrando o seu poder, mas eles não tinham fé em Jesus. Embora eles esperassem alguma reação de Jesus como vemos no verso 38, eles não confiavam em Jesus. Eles não depositavam a sua vida nas mãos de Jesus.


Jesus não os advertiu sobre o tipo de fé que eles tinham, a qualidade da fé e nem a quantidade de fé. O que Jesus está questionando aqui é “Qual o objeto da fé?”. Jesus estava fazendo-os ponderar, e hoje nos faz também, sobre a maneira que encaramos o nosso relacionamento com ele, e esse relacionamento é baseado em fé. O cristianismo é uma questão de fé (sola fide), e fé em Jesus (solos Christos). O que nos salva, portanto, não é a qualidade da nossa fé e sim o objeto da nossa fé.


Ao fazermos uma observação mais profunda do texto, podemos também traçar um paralelo deste episódio de Marcos com a história de Jonas. Alguns pontos de contato entre as duas narrativas ficam muito evidentes.


Tanto Jesus como Jonas estavam num barco no meio de uma forte tempestade, onde todos os que ali estavam ficaram apavorados. Tanto Jesus como Jonas dormiam enquanto a tempestade os afligia. No caso de Jonas, nós sabemos que a tempestade atingiu aquele barco por causa de Jonas, no caso a sua relutância em seguir as ordens de Deus. Já no caso de Jesus, foi ele mesmo que deu ordem aos discípulos que atravessarem o mar.


Em Jn 1.12, Jonas diz em outras palavras: “Se eu perecer vocês vão sobreviver. Se eu morrer, vocês viverão”. No evangelho de Mateus , Jesus diz: “E aqui está quem é maior que Jonas” (Mt 12.41). 


Jesus lançou-se na tempestade da justiça eterna, da nossa dívida por causa de nossas transgressões. Se Jesus entrou nessa tempestade em nosso favor, será que podemos dizer: “Senhor, tu não te importas?”.